domingo, 3 de janeiro de 2010

Merleau-Ponty e o pensamento de sobrevoo





Merleau-Ponty e o pensamento de sobrevoo




Apresentar o pensamento de Merleau-Ponty é uma tarefa complexa, porque complexa é sua escrita.Uma obra embebida em pontos de vista advindos das artes, de sistemas filosóficos, das ciências humanas etc. Por este fato, vamos nesse curto espaço, pautar a análise somente em um dos pontos centrais de sua fenomenologia: o pensamento de sobrevoo.

O pensamento de sobrevoo na obra de Merleau-Ponty trata em sentido lato de uma crítica ao dito pensamento científico moderno. Segundo a fenomenologia de Merleau-Ponty, o pensamento de sobrevoo é o pensamento que apenas quantifica e analisa o Ser em suas partes mais superficiais. Um pensamento fenomenológico que empreenda uma análise mais profunda do Ser precisa ligar o pensamento cientificista (empírico-analítico) a uma metafísica renovada. Essa metafísica renovada pretende que o Ser não seja abstraído somente em seus aspectos físicos, mas que coloque o Ser dentro de uma compreensão dos fenômenos sensíveis. Não se trata mais de uma metafísica ideal que leia metodicamente o Ser em suas abstrações pormenores. Trata-se sim de trazer ao humano o casamento de suas sensibilidades com seus aspectos físico-fisiológicos para utilizar a linguagem de Merleau-Ponty.

O divórcio entre o pensamento filosófico e o científico trazido pelo cartesianismo faz com que percamos a noção do real. O pensamento filosófico sem os dados verificados do real se transforma em mera especulação tola e o pensamento científico sem a reflexão em mera formalidade sem conteúdo. Essa separação é prejudicial aos dois pólos. O pensamento de sobrevoo da ciência acaba por dizer pouco sobre o homem e o mesmo também ocorre na filosofia quando se perde no humanismo tolo no qual o sujeito é um espectro sem raízes físicas. Merleau-Ponty propõe uma fenomenologia que alie o sensível da corporiedade ao mundo psíquico para uma maior interação do homem no espaço de sua existência. A consciência do mundo sensível e do corpo traz uma maior compreensão dos fenômenos. A este autor precisamos então de uma dupla religação: a dos pensamentos reflexivo-especulativo com o empírico-analítico e de uma religação do mundo sensível e da corporiedade.

A nós parece uma proposta interessante, mas que encontra sérias dificuldades. Primeiro pelos casamentos pretendidos. Reconciliar os campos pretendidos é tarefa epistemológica séria. Algumas correntes vêm tentando propor essa reconciliação como a complexidade. Mas ainda há muito o que se evoluir nos circuitos lógicos de entendimento do que seja filosofia e do que seja ciência para que isso ocorra. A separação do homem, da natureza, da filosofia, da ciência etc ainda é muito grande. E depois da religação há que se pensar no tempo de amadurecimento e se repensar novas formas de dar a cada campo seu espaço. A segunda dificuldade reside, no caso particular de Merleau-Ponty, na própria fenomenologia. Esse campo ainda é pouco maduro em reflexões para ser uma filosofia reconciliadora de tudo o que o autor propõe. Como pensar, por exemplo, uma unicidade de Sartre, Merleau-Ponty e Hurssel? A própria evolução histórica do campo fenomenológico se mostra incompatível a isso. O alerta de Merleau-Ponty é válido, mas ainda precisamos de um amadurecimento histórico para suas proposições.



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